Por Teresa Abecasis Burnay
Na minha vida, o sentido de propósito é central e pauta toda a minha atuação, tanto a nível pessoal como profissional, sempre no intuito de acrescentar valor a cada vida que toco e, aos poucos, ir contribuindo para um mundo melhor.
Como tal, não consegui resistir ao desafio de escrever sobre branding, precisamente com esta perspetiva de como também as marcas podem e devem ter um papel ativo e determinante na consciencialização da população para problemas da sociedade ou do planeta, na defesa de causas relevantes para as comunidades em que se inserem e na tomada de ações que consolidem as suas mensagens.
No mundo do marketing e dos negócios, a evolução das marcas é uma narrativa fascinante. Desde os primeiros momentos em que as marcas surgiram como identificadores de produtos até aos nossos dias, em que a conexão emocional e o propósito são fundamentais, a história do branding com propósito é uma jornada cheia de transformações.
Nos tempos mais remotos, as marcas surgiram como sinais físicos para identificar a origem ou qualidade dos produtos. Essas marcas rudimentares permitiam aos consumidores distinguir as mercadorias confiáveis num mercado crescente.
Com a Revolução Industrial, as marcas começaram a adquirir maior importância à medida que a concorrência se intensificava. Nesse período, surgiram marcas famosas que estabeleceram a sua reputação com base na qualidade e awareness, como, por exemplo, a Coca-Cola, a Ford ou a Levi’s. No entanto, a essência das marcas estava principalmente relacionada com a diferenciação e o reconhecimento destas, sem que houvesse necessariamente um propósito associado.
Com o crescimento da procura e o surgimento da sociedade de consumo no século XX, as marcas começaram a tornar-se símbolos de status e identidade pessoal. Contudo, foi apenas nas últimas duas décadas que a noção de propósito, para além da funcionalidade e do lucro, se tornou fundamental para as marcas.
A crescente preocupação com questões sociais e ambientais levou as marcas a repensar o seu papel na sociedade e são inúmeros os exemplos de casos que foram pioneiros e lideraram a senda do Branding with Purpose, destacando-se e servindo de role models para o que é hoje uma prática já bastante disseminada.
Temos o exemplo da Patagonia, conhecida pela sua abordagem ambientalmente responsável, promovendo a sustentabilidade e a conservação do planeta desde a sua fundação, em 1973, capitalizando nas suas plataformas físicas e digitais, bem como em toda a sua comunicação, para educar e motivar os consumidores a defender o ambiente. Lançou em 2011 a Common Threads Initiative, no sentido de sensibilizar para a reutilização, arranjo e reciclagem dos seus produtos versus compra de novos artigos e tem uma série de outras iniciativas no mesmo registo, como o Worn Wear Program e a campanha Don’t Buy this Jacket, com etiquetas nos próprios casacos da marca a apelar a que as pessoas reconsiderassem se precisavam mesmo de adquirir o produto antes de o comprar. A marca tornou-se indubitavelmente um ícone para o resto da indústria, mostrando como se pode fazer negócio e simultaneamente influenciar e criar impacto positivo no mundo.
Outro caso é o da TOMS, com o seu modelo “One for One”, que doa um par de sapatos a crianças por cada par vendido, ajudando assim famílias desfavorecidas mas simultaneamente chamando a atenção para o fenómeno às camadas sociais mais privilegiadas, que são quem mais pode contribuir para ajudar na sua causa, não só financeiramente mas também por meio do seu fashion viral effect. Sendo uma simples marca de gelados, usa a sua globalidade e dimensão de lares a que chega para, desde então, ter evoluído para a defesa de um sem-número de causas através da criação de produtos ligados às mesmas e de atividades verdadeiramente ativistas que não passam despercebidas ao público. Exemplos das suas campanhas de advocacia passam pelo apoio ao casamento igualitário, pelo combate às mudanças climáticas ou pela reforma do sistema de justiça criminal.
Também da Unilever surge o exemplo da marca Dove, que desde 2004 desafia os estereótipos de beleza tradicionais e promove a aceitação do corpo como ele é através de campanhas de “Beleza Real”. A marca tem primado pela consistência da sua comunicação associada às suas ações, com iniciativas pioneiras exibindo mulheres de diferentes tamanhos e idades em campanhas publicitárias, contrariando padrões de beleza irrealistas promovidos pela indústria da moda e disponibilizando bancos de imagens com mulheres reais a toda a concorrência e mundo dos media. Tem trabalhado bastante também na promoção da autoestima junto dos jovens com programas educacionais, disponibilizando conteúdos para pais e professores e desenvolvendo materiais lecionados nas próprias aulas de Cidadania do 2º ciclo. Nos últimos dois anos focou-se bastante em movimentos de defesa contra os efeitos nocivos das redes sociais, estando neste momento com uma petição a nível mundial que apela a uma maior segurança online para as crianças e jovens.
Outro caso espantoso é o Airbnb, que, além de revolucionar a indústria de hospedagem, se demarcou pelo envolvimento em questões sociais, lançando a iniciativa “Open Homes” para fornecer alojamento gratuito a pessoas afetadas por desastres naturais, refugiados ou vítimas de outras situações de emergência. Implementou também políticas de não discriminação na sua plataforma promovendo a inclusão e a igualdade de direitos e oportunidades. Marcas com propósito têm de facto o potencial de criar um impacto significativo na sociedade, buscando soluções para problemas sociais e ambientais e tornando-se agentes de mudança para melhor.
Enquanto entregar a funcionalidade e a qualidade prometidas é determinante para vencer no mercado, mas que já se tornou um fator higiénico para qualquer marca, ter um propósito relevante e consistente é o que a diferencia e lhe pode dar a maior vantagem competitiva. Ou seja, ter um propósito já não é só uma questão de fazer o bem, mas também de fazer bem e vencer no contexto atual em que vivemos!
À medida que avançamos para o futuro, espera-se que o branding com propósito se torne ainda mais premente. Os consumidores estão cada vez mais exigentes e conscientes socialmente do que nunca. Construir e expandir uma marca requer adereçar a preocupação cada vez maior com questões sociais e ambientais e o aumento da procura por práticas éticas e sustentáveis, que definirão o caminho a seguir.
Esta forma de construir marcas torna-se inevitável se tivermos em conta a evolução digital, o poder das redes sociais e o nível de transparência e responsabilidade que as novas gerações têm como expetativa.
As marcas autênticas que tiverem este tipo de causas integradas no seu ADN conquistarão a confiança e a lealdade dos consumidores, que veem nelas uma maneira de expressar os seus próprios valores e crenças.
Ter um propósito enaltece qualquer marca ou empresa, mas desengane-se quem tem por teoria que é apenas uma moda ou um “mandamento” corporativo. O propósito é também um motor de negócio e tem um claro business case por trás: os consumidores esperam-no, os clientes exigem-no, é um fator de incentivo à inovação e desenvolvimento dos mercados, ajuda a reduzir custos, inspira as pessoas a querer trabalhar nas companhias e aí se manterem e está provado que as nossas marcas com um propósito claro crescem 46% mais rápido do que as outras (sustainability report Unilever). Essa é a razão por que todas as companhias com estratégias de CSR claras têm também KPI definidos para monitorizar regularmente os resultados de todas as suas atividades e apresentam publicamente relatórios de sustentabilidade.
Não é necessário que uma marca tenha propósito desde a sua génese para fazer Branding with Purpose de forma autêntica. São aliás muito poucas e jovens as marcas que nasceram assim, como é o caso da TOMS, fundada em 2006, da Beyond Meat, criada em 2009 com a missão de produzir alternativas alimentares com base em plantas, combatendo as preocupações ambientais associadas à agricultura animal, ou, mais recentemente, a Allbirds (2014), que oferece calçado confortável e sustentável feito à base de materiais renováveis e processos amigos do ambiente.
A maioria das grandes marcas com propósito evoluiu para aí ao longo da sua história, identificando momentos de turnaround na essência do que representavam, passando por processos estruturados e de alinhamento organizacional para definir o seu caminho, realizando análises detalhadas de todas as partes interessadas, começando pelo consumidor e trabalhando arduamente na articulação de uma declaração de manifesto cativante e relevante.
A primeira regra para construir propósito com autenticidade e confiança é a necessidade de os gestores das marcas estarem conectados com o mundo real! Têm de conhecer a fundo as pessoas que servem, os seus problemas e pain points, o tipo de vidas e rotinas que seguem e, mais importante, devem conseguir estabelecer conexões emocionais de forma a comunicar ideais partilhados. Isto só se consegue saindo do escritório, falando com verdadeiros consumidores, de preferência muito diferentes de nós próprios, ouvindo ou vendo um canal de rádio/TV nunca visto antes e vivenciando experiências que nos façam entender a realidade das audiências para quem trabalhamos.
A segunda regra é a relevância do propósito, que tem de realmente tocar o coração do público e ter escala suficiente para ganhar tração. Deve também ter uma ligação lógica aos benefícios dos produtos da marca sob pena de que se perca toda a autoridade para falar do assunto – não faria sentido termos a Channel a defender a falta de boas condições de saneamento, isso é extremamente bem feito pela marca Domestos, especialista em limpeza de sanitas e casas de banho, com uma parceria de muitos anos com a Unicef a nível mundial e várias vidas salvas pela construção de sanitas em locais onde as crianças nem sequer podiam frequentar a escola pela falta das mesmas. Da mesma forma que seria estranhíssimo ver uma marca alimentar como a Cigala ou a Guloso a falar de beleza real.
O propósito será tanto mais bem recebido e percebido quanto mais estiver ligado à funcionalidade da marca. Associar o propósito a momentos relacionados com ele e com a marca também ajuda a que seja implementado de forma muito mais eficiente – um excelente exemplo é o de Hellman’s, que defende há vários anos Make Taste Not Waste, sempre apresentando situações e exemplos de como, utilizando o produto, se consegue reaproveitar restos e tornar receitas muito mais deliciosas. Este combate ao desperdício alimentar torna-se mais eficaz se for feito com ideias concretas de como, onde e quando cada um pode contribuir, seja em refeições de família, em encontros de amigos ou em ocasiões de convívio e lazer como o visionamento de jogos, estando muita da comunicação da marca assente em parcerias com grandes eventos desportivos.
Finalmente, fazer o bem é bom e as marcas não devem ser tímidas quando o executam, devem comunicar com escala o seu propósito e devem ir para além do above the line e garantir que o levam até ao ponto de venda, tornando claro para o consumidor aquilo que defendem no momento da decisão de compra, em que o propósito pode ser o fator para levar o seu produto em vez de qualquer outro.
No caso da Unilever, vamos ainda mais longe na execução do propósito, para que as mensagens se destaquem de facto no ruído de toda a publicidade à nossa volta e para que se entenda que o que defendemos é para todos, e temos como compromisso imbuir toda a nossa comunicação da luta contra estereótipos. Desde a geração de ideias à forma como “briefamos” para design e produção, a maneira como apresentamos pessoas atrás ou à frente das câmaras deve sempre passar equidade, diversidade e inclusão. Acreditamos que a participação e a colaboração de comunidades sub-representadas na sociedade, seja em termos raciais e étnicos, de LGBTQI+, de género ou de pessoas com deficiência, em cada peça de comunicação, são críticas para criarmos um storytelling autêntico e inclusivo para as nossas marcas.
Fui dando exemplos ao longo deste artigo de várias marcas com propósito, mas todas elas globais. Contudo, assim como noutros lugares do mundo, também há marcas em Portugal que se têm vindo a fazer notar pela sua abordagem pioneira na defesa de causas e atuação com propósito, indo para além da busca do sucesso comercial, e comprometendo-se também a ter um impacto positivo na sociedade. Destacam-se ao longo dos últimos anos as contribuições para o branding com propósito dos exemplos que abaixo aponto:
É um enorme orgulho falar também de todo o trabalho desenvolvido pela MEO na área das telecomunicações em Portugal, estando na vanguarda do branding com propósito, utilizando as suas plataformas para ter um impacto positivo e criar conexões significativas com os seus clientes. Ao longo dos anos, a MEO implementou várias iniciativas que refletem o seu compromisso com a sociedade.
O Festival MEO Sudoeste, que promove a música e a cultura jovem, é um dos maiores festivais de música em Portugal, desde 2006. O envolvimento da MEO no festival está alinhado com a sua missão de conectar as pessoas através de experiências compartilhadas e eventos culturais. A MEO também desempenhou um papel significativo na promoção e apoio do surf em Portugal com diversas iniciativas relacionadas com esta atividade, incluindo o patrocínio do MEO Rip Curl Pro Portugal, uma prestigiada competição profissional de surf realizada em Peniche. Esse patrocínio destaca o compromisso da MEO com a comunidade do surf e o seu apoio aos atletas portugueses no circuito internacional de surf.
Em 2013, a MEO lançou a campanha “MEO, Todos os Olhos em Você”, que visava capacitar indivíduos e incentivá-los a perseguir as suas paixões sem medo. A campanha apresentava histórias de pessoas reais que alcançaram feitos notáveis e superaram desafios com a ajuda dos serviços da MEO. Ao mostrar essas histórias inspiradoras, a MEO procurou inspirar os seus clientes e demonstrar o seu compromisso em apoiar o crescimento pessoal, a ambição e as conquistas.
Desde 2018, todo este caminho tem vindo a materializar-se com o posicionamento “MEO marca de causas” para consolidar a assinatura “Humaniza-te”, culminando no resultado absolutamente inédito de uma marca portuguesa ganhar por dois anos consecutivos o leão de ouro em Cannes!
Não poderia perder a oportunidade de falar de uma causa que me é muito próxima, por ser mãe de uma futebolista de 19 anos, que sonha ser profissional desde criança. É de coração cheio que venho assistindo à forma como no nosso país o futebol é abordado por diferentes instituições e marcas, promovendo desde o fairplay à igualdade e inclusão.
Em 2021, a Federação Portuguesa de Futebol (FPF) lançou a campanha “Não é só futebol” em parceria com a Associação de Futebol de Lisboa e a agência Fuel. Essa campanha tinha como objetivo combater a violência no futebol e promover valores como o respeito, a igualdade de género, a inclusão e a diversidade. Através de vídeos, testemunhos de jogadores e ações concretas, a campanha destacou a importância de uma cultura futebolística mais saudável e respeitosa. A FPF teve no ar também a campanha “Joga como uma Rapariga” com o objetivo de combater estereótipos de género e incentivar mais meninas a praticarem futebol. A campanha visava desafiar a ideia de que jogar como uma rapariga é uma ofensa, destacando as habilidades e o talento das jogadoras e promovendo a igualdade de oportunidades no desporto.
Também o Sport Lisboa e Benfica lançou a campanha “Futebol Sem Género” para promover a igualdade no futebol. A iniciativa destacou a importância de derrubar barreiras e preconceitos no desporto, incentivando mais mulheres e meninas a participarem e se envolverem no futebol.
Em 2019, o Banco BPI lançou a campanha “Ser Futebolista” como parte da sua iniciativa de responsabilidade social. O objetivo era promover o futebol feminino e encorajar mais meninas e mulheres a praticarem a modalidade. A campanha contou com vídeos inspiradores que destacaram a paixão, a determinação e o talento das jogadoras de futebol feminino em Portugal. A acrescentar à sua mensagem, o BPI também põe as palavras em ação patrocinando a Liga BPI, o principal campeonato de futebol feminino em Portugal, demonstrando o seu compromisso contínuo com o desenvolvimento do desporto. E já este ano temos no ar a nova campanha que retrata a história de uma menina vocacionada para o futebol desde pequena e os obstáculos que vai ultrapassando ao longo da vida para chegar à Seleção Nacional, em jeito de preparação para o Mundial de Futebol Feminino de 2024.
Estas campanhas têm desempenhado um papel fundamental na promoção do futebol feminino em Portugal, aumentando a visibilidade das jogadoras, desafiando estereótipos e inspirando a próxima geração de talentos. O envolvimento contínuo de marcas, organizações e da sociedade em geral é fundamental para continuar a impulsionar o desenvolvimento desta história de sucesso.
À medida que o contexto de mercado continua a evoluir, o branding assente em propósito desempenhará um papel cada vez mais vital na construção e crescimento de marcas de sucesso. Os consumidores procuram hoje mais do que apenas produtos e serviços; querem identificar-se com marcas que partilhem os seus valores e contribuam para a sociedade. Ao adotar uma causa maior, as marcas conseguem promover confiança e diferenciar-se da concorrência. É, no entanto, fundamental que o façam de forma autêntica, relevante e consistente ao longo do tempo.
Olhando para o futuro, as estratégias orientadas por propósito serão essenciais para navegar nas expectativas do consumidor em constante mutação, impulsionar mudanças positivas e alcançar o crescimento e o sucesso de longo prazo.
É agora o momento de as marcas abraçarem o propósito e exponenciarem o seu potencial para acrescentar valor a todas as vidas que tocam, impactar positivamente as comunidades em que operam e, assim, ajudar na construção de um mundo melhor para as próximas gerações.
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